Quando eu era adolescente e comecei a me interessar mais por música, teatro e literatura, arriscando-me a tocar, encenar e escrever, ouvi de minha mãe história do ‘Tio Ivo’.
Tio Ivo, que eu nunca conheci, era irmão de meu avô materno. Minha bisavó, Prudência, veio da Espanha para tentar uma vida melhor e ao todo teve 9 filhos, 5 homens e 4 mulheres. Cada um nasceu em uma cidade do interior de São Paulo, enquanto eles mudavam de fazenda e fazenda nas quais trabalhavam, até que um dia se estabeleceram na capital.
Dos 5 homens, 1 se tornou padeiro e outros 3 se tornaram alfaiates, entre eles o meu avô. Ivo, o mais novo dos 5, quis ser músico.
Antes de continuar, eu sinto que preciso esclarecer algumas coisas sobre esse lado da minha família.
Minha avó materna morreu quando a minha mãe tinha dois anos. Meu avô ficou muito desolado, e a família da minha avó não era lá muito chegada nele. Minha bisavó, mãe da minha avó, decidiu que iria ficar com as netas e não deixou que a família do meu avô e nem ele próprio ficasse muito próximo de minha mãe. Foi pouco depois da morte dela que minha mãe e a minha tia foram morar no Rio de Janeiro com a avó e o avô.
Sempre houve esse distanciamento, as pessoas da família da minha avó não se aproximavam e nem deixavam muito as pessoas da família do meu avô se aproximarem. Talvez isso justifique a falta de informações sobre ele e outros da família do meu avô materno.
Com exceção do meu avô, não tenho foto alguma de outro parente da família Lora. O que sei sobre o tal Tio Ivo é o que minha mãe sabia de ouvir falar, tanto que eu acredito que ele deve ter tido algum outro emprego, mas o fato é que ele queria ser cantor.
Ivo Lora, meu tio avô, morava no bairro da Luz e era casado com uma prostituta. Eu acho que ele deveria ser realmente alguém da noite e da boemia mesmo. A última vez que minha mãe o viu foi ainda nos anos 60, quando uma irmã dele faleceu, a Tia Eunice, que dizem que ficou louca por um amor não correspondido. Sei que ele teve uma filha, e mais nada.
Dias atrás eu decidi perguntar para minha mãe mais detalhes, e pela primeira vez ela me contou que ele não se apresentava como Ivo Lora, e sim como Ivon Lara. Ela também me deu a informação de que o disco havia sido gravado pela Chantecler.
Curioso que sou, fui buscar na internet as informações possíveis sobre esse disco, e descobri que se tratava de uma gravação em 78 RPM, de 1960. Achei os dados no site do IMMuB, que agora está atualizado com os áudios) e também no site Discografia Brasileira. (Aliás, pra quem está lendo essa postagem, já percebeu que ele foi atualizada e que os áudios foram resgatados. Quero agradecer aos dois sites, nas pessoas da Mila (IMMuB) e o Euler (Discografia Brasileira), que me respondera me atualizaram as informações! Obrigado!)
Já tinha me considerado extremamente feliz por realmente saber que o registro existia e, vasculhando mais e mais, encontrei o disco sendo vendido num sebo.
Eu fiquei completamente perplexo. Comprei sem ter a menor ideia das condições do vinil. Só de ter fisicamente aquilo, que fosse só pelo selo do disco colado ali com o nome dele já era suficiente pra mim resgatar esse registro do meu único parente cantor.
Não falei nada pra minha mãe ou meu irmão. Decidi fazer uma surpresa.
Quando chegou o pacote, ao abrir me assustei. Uma capa de um LP completamente diferente, abro e vejo dois LPs com um selo em russo. Imaginei imediatamente que havia sido enganado por algum vendedor online. Fiquei pensando se ele havia errado ou deliberadamente me enganado.
Os LPs estavam unidos por uma fita adesiva, rompi a fita adesiva e dentro deles um outro disco menor, dentro de uma capa de papel pardo. Quando eu puxei, lá estava: Ivon Lara – Falsa Bacana no lado A.
Abri aquilo como se estivesse abrindo um sarcófago fechado por milênios, já imaginando que o disco estaria completamente arranhado, mas não. Em perfeitas condições.
Encontrei uma pessoa na cidade Palhoça, aqui em Santa Catarina, que faz a conversão dos discos para mp3. Em menos de 1 hora eu já estava com os arquivos no meu celular.
Voltei pra casa, coloquei meus fones de ouvido e pedi que minha mãe preparasse um café pois precisava conversar com ela.
Enquanto a água fervia, comecei a cantar “Lençol Bordado” acompanhando a música pelo fone do ouvido. Ela se virou, espantada, e me perguntou: De onde você conhece isso?
Eu não me controlei e comecei a rir de euforia e alegria. Ela continuou a cantar a música, ainda sabia de cor a letra. Tirei os fones de ouvido e ouvimos junto a voz de meu tio avô e seus boleros.
Ela ficou emocionada, e quando eu mostrei a ela o vinil a emoção foi ainda maior, transportando-a para os anos 60, em que junto com uma prima ouvia ao disco e ligava para a rádio pedindo que tocassem a música de Ivon Lara.
Continuando as pesquisas descobri que meu tio avô ainda participou de mais um disco, cantando duas músicas. Trata-se de um LP de sambas de uma gravadora desconhecida.
Agora, as músicas do primeiro disco de Ivon Lara estão a salvo no YouTube. Eu não tenho contato algum com quer que seja dessa parte da família, não sei nada sobre sua filha, se ele teve netos ou o que aconteceu com ele.
Gostaria muito de saber mais, foi meu primeiro tio artista. De alguma forma eu sempre tive um certo orgulho na minha adolescência ao saber que tinha alguém que no passado era cantor e havia gravado um disco, agora me sinto feliz por ter trazido esse pedaço da história de volta pra minha mãe.
Pra quem quiser ouvir, segue aqui os registro de Ivon Lara.
Se engana quem pensa que essa história se acaba por aqui… acho que encontrei algo.