Recomeçar nunca é fácil, ainda mais quando se trata de algo que envolve prazer e dor. Escrever é uma das poucas atividades que eu realmente gosto de fazer, mas a qual não consigo tratar com leveza. Considero um exercício de prática constante onde não basta apenas sentar-se, ligar o computador e abrir o editor de texto e soltar os dedos sobre o teclado.
Entendo a escrita como uma atividade baseada em rotina e autocrítica e, como qualquer trabalho, colocar ideias no papel implica em estabelecer regras. Há quem consiga transformar seus pensamentos ao mesmo tempo em que ouve música, ingere álcool ou está no meio de uma confusão sonora e visual, isso tudo me atrapalha. Preciso obrigatoriamente um espaço neutro, minha mente livre de influências e estímulos. A máquina pensante precisa agir por si só, do contrário eu realmente desacredito da qualidade do texto. Eu busco o texto perfeito constantemente mesmo sabendo que não vou conseguir.
Por que?
Por me preocupar quanto a forma e ao conteúdo, sempre me perguntei o porquê do texto. Sempre foi muito mais fácil escrever por obrigação dentro do meio acadêmico e profissional, eu era uma máquina de conteúdo quando me pediam algum relatório mais analítico, um artigo técnico ou um material didático. Minha maior dificuldade era, e é, o conteúdo próprio. Não me faltam ideias, me falta baliza.
Desde que comecei a escrever eu procurei definir um estilo próprio que harmonizasse o sólido com o etéreo. Quantos não foram os textos acadêmicos ou profissionais nos quais eu procurei romper com regras ao mesmo tempo que me firmava na solidez dos fatos. Lembro de um colega me dizendo que nunca deveria colocar uma pergunta no título ou subtítulo, coisa que ignorei por completo. Meu interesse sempre foi chamar a atenção dos que desconheciam do assunto em questão, não me desperta nenhuma vontade manter as ideias dentro de círculos fechados e é por isso que sempre olhei para o leitor do texto técnico ou profissional com alguém que precisava ser cativado.
Acontece que a ficção é um desafio diferente no qual eu nunca pensei em como cativar o leitor. Busco uma mistura entre o concreto e o abstrato, o mundo real com pitadas de surreal, esse é o meu tempero. Os textos inteiramente desprovidos de irrealidade me despertam paixão e ódio, pois eles podem ser perfeitos ou desastrosos. As fantasias plenas não me encantam, quero dizer, há um tipo de texto inventivo que nunca me atraiu, é como comida ou roupa. Os contos e livros que se ambientam em universos místicos de magos, espadas e dragões nunca me atiçaram nada, as ficções científicas sim. É um pouco da crença ou educação de que não se altera o passado e se desconhece o futuro. O presente, por ser feito no momento, me permite essa liberdade fantasiosa.
Tive fases como autor, e perdi as melhores delas. Escrevi tolamente na adolescência, mas não me expus. Escrevi ficção num blog nos primórdios da internet, consegui leitores e abandonei por medo. Volto a escrever agora quando me parece que a leitura se tornou uma coisa chata. As notícias são resumidas cada vez mais, o jornalismo não se preocupa com fontes, as pessoas regurgitam palavras aos montes em redes sociais e os vídeos ensinam tudo. Não me considero escritor, pra ser um precisaria de leitores, só que não me resta outa opção além de voltar a escrever. Volto, por insistência. Volto, por gosto. Volto, por rebeldia. Volto, por que é só o que me dá prazer e me identifico. Volto porque só assim me obrigo a ser livre.